Artigo de David Mathis
E se acreditasses que Deus está, de facto, 100% a teu favor? Que ele, além de te aceitar, aceita-te completamente, por causa da pessoa perfeita e da obra do Seu Filho? Que os teus melhores sucessos não te podem fazer ganhar maior acesso, ou que os teus piores fracassos não o podem tirar? Se – realmente – acreditasses, isso poderia mudar tudo no que diz respeito à forma como procuras a alegria na tua vida.
Chamamos justificação à doutrina Cristã que lida com a questão de Deus nos aceitar num relacionamento restaurado com ele. É uma palavra que está intimamente ligada a outra que todos buscamos de alguma forma: alegria.
Justificação somente pela fé
A justificação lida com o modo como chegamos a bons termos com Deus. O cenário aqui é o de um tribunal. Há um réu (tu) e um Juiz (Deus). Somos todos justamente acusados de injustiça – uma ofensa traiçoeira contra o próprio Juiz.
Ser justificado significa que o Juiz te declara justo (inocente), em vez de culpado. Significa que és inocentado de qualquer transgressão. A coisa extraordinária, de acordo com o evangelho Cristão, é que apesar de sermos culpados, Deus “justifica o ímpio” através da fé (Romanos 4:5).
No entanto, com que fundamento é que Deus nos declara justos? Essa é uma grande controvérsia que dura há praticamente 500 anos. Alguns têm afirmado que a nossa aceitação total por Deus é baseada não só na obra de Cristo (fora de nós), mas também na obra do Espírito Santo em nós. Deus infunde-nos com justiça e declara-nos justos tendo isso em vista.
Outros têm afirmado – através do ensino das Escrituras – que Deus nos aceita totalmente por causa da justiça de um outro, Jesus Cristo (I João 2:1). Somos declarados justos e totalmente aceites por Deus, não com base em qualquer justiça existente em nós, mas somente através da fé, olhando para fora de nós e unindo-nos a uma justiça que não é acção nossa – Jesus é a nossa justiça (I Coríntios 1:30; Romanos 5:19; 10:4; II Coríntios 5:21).
Esta justificação somente pela fé é o cerne do evangelho. Martinho Lutero disse que esta doutrina é o fundamento da igreja. Aqueles que mais estimam a doutrina da justificação somente pela fé tornam-se nas pessoas mais livres do mundo, nos que amam mais verdadeiramente e que fazem as maiores coisas, simplesmente porque encontraram uma capacidade maior e mais profunda para se alegrarem.
A sua justiça, a nossa alegria
Um texto-chave para a razão da justificação somente pela fé ser essencial à verdadeira alegria está em Filipenses 3:1 e nos versos seguintes.
No capítulo 2, Paulo salienta que é a alegria que o mantém no ministério, alegria essa que ele espera que inspire os Filipenses a buscar a unidade e a humildade. Ele regressa ao tema da alegria alguns versículos depois quando fala da orientação da igreja para com os seus inimigos.
“Que vos regozijeis no Senhor” (Filipenses 3:1) não é só a ligação com o que veio antes, mas é o refrão que ecoa sobre toda a porção que se segue. Isto não é uma simples sequência. Isto é aquilo que separará os verdadeiros crentes dos falsos religiosos. Paulo foca-se no que une a igreja e lhe dá os meios para permanecer firme face à oposição: alegria em Jesus. Alegrem-se no Senhor.
O principal contraste que Paulo faz aqui entre a igreja e os seus adversários é onde vão buscar a confiança. A confiança dos adversários na sua condição perante Deus baseia-se no seu próprio desempenho, mas o verdadeiro povo de Deus “não confia na carne” (Filipenses 3:3). Não diz que coloca alguma confiança na carne, mas que não tem qualquer confiança na carne. Por outras palavras, abraçaram a justificação somente pela fé. Quaisquer que fossem as razões para terem confiança em si mesmos, colocaram-nas de parte para se gloriarem em Jesus Cristo (Filipenses 3:3). A aceitação deles por parte de Deus baseia-se completamente em Cristo.
Não podemos ser verdadeiramente felizes a menos que a nossa aceitação por parte de Deus seja totalmente baseada em Cristo.
Não tem a ver com a tua linhagem nem com o teu desempenho
Paulo abraçou esta realidade com humildade e coragem. Se fosse pela sua linhagem ou desempenho, ele teria superado qualquer um (Filipenses 3:4-6). Mas, na procura de uma alegria incomparável, Paulo recebeu vida e liberdade no evangelho, em vez de confiar no seu registo de boas obras. Ele contou todos os seus ganhos impressionantes como perda: “pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo. E seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da Lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé” (Filipenses 3:8-9).
A alegria em Deus está, então, indissociavelmente unida à justificação somente pela fé. “A excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” não será totalmente desfrutada sem a união com Jesus pela fé e sem possuirmos a sua justiça, que ultrapassa em muito a nossa, como base exclusiva da nossa aceitação por parte de Deus. Uma aceitação robusta e sólida da justificação somente pela fé é essencial para uma vida de alegria Cristã.
A nossa alegria é posta em causa quando acreditamos que a nossa aceitação por Deus aumenta ou diminui com base nosso próprio mérito.
“Agora, sim, caíram-me as correntes”
John Bunyan (1628–1688), o pastor baptista perseguido e autor de O Peregrino, relembrou o dia em que, ao andar por um campo, o Espírito o fez compreender a glória da justificação somente pela fé – abrindo-lhe assim as comportas da busca pela alegria. Após muita angústia e aflição, diz que finalmente viu “que não era o meu bom coração que fazia a minha justiça melhor, nem o meu mau coração que fazia a minha justiça pior, porque a minha justiça era o próprio Jesus Cristo, “o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” (Hebreus 13:8). Agora, sim, caíram-me as correntes das pernas… Então fui para casa alegrando-me na graça e amor de Deus.”
Este tem sido o testemunho de muitos, mortos e vivos. Como escreve John Piper, “A grande arma do evangelho na luta pela alegria é a certeza inabalável que somos declarados justos em Cristo somente pela fé… Esta arma do evangelho só é poderosa se mantivermos a base da nossa justificação liberta do nosso próprio desempenho. Deus aceita-nos com base na justiça de Cristo, não na nossa… Oh, a diferença que faz termos a certeza, nas trevas desencorajadoras da nossa própria imperfeição, de que temos uma justiça perfeita – isto é, a de Cristo” (When I Don’t Desire God, 85).
Portanto, também Bunyan e Piper experimentaram, tal como o apóstolo Paulo, que a plena aceitação por Deus, somente pela fé, somente na base da justiça de Cristo, é essencial para uma busca livre e descomprometida da alegria.
A alegria de ser aceite
Já saboreaste a alegria que vem quando a justificação somente pela fé ilumina a tua alma obscurecida? Há muitas causas para a falta de alegria nos Cristãos, mas uma comummente ignorada é esta: se formos fracos na justificação, seremos fracos na alegria.
A verdadeira alegria Cristã é incompatível com qualquer teologia que comprometa a justificação somente pela fé. Se os Cristãos professos não acreditam que são completamente aceites por Deus – que não estão à espera de nenhum veredicto decisivo e futuro – a sua busca pela alegria em Deus irá inevitavelmente parar, engasgar-se e secar.
Aqueles que são mais fortes na justificação somente pela fé serão mais livres na sua busca pela alegria.
Por: David Mathis. ©️ Desiring God Foundation. Traduzido com permissão. Fonte: A Tua Alegria Repousa na Justiça de Deus. ©️ Rede Reformada Todos os direitos reservados. Tradução: Tiago Falcoeiras.